Por todo o país se podem encontrar
casas devolutas; na cidade de Lisboa, o flagelo é bem grande e hoje tornou-se
no tema de conversa no Sótão da Gina, ao qual acabámos por intitular de Casas
com Alma Esquecida.
Quando se passeia atentamente pelo
campo, dá dó ver a quantidade de casas abandonadas à sua sorte, algumas de
grande dimensão e opulência. Muitas terão certamente contribuído para a grande
felicidade nas férias de muitas crianças de outros tempos. Amparadas apenas
pela natureza, permanecem em pé até que essa mesma amiga natureza lhes vá
permitindo, até que nada mais sobre que um amontoado de um resto de tudo e
nada.
Casas com Alma Esquecida |
Na cidade de Lisboa muito se poderia
fotografar e escrever sobre as casas devolutas que foram abandonadas sem dó nem
piedade e deixadas assim à sua sorte como que se nunca tivessem alma adentro.
Parámos em duas, muito perto
entre si, vizinhas de prédios altos e modernos para que a sua pequenez seja
ainda mais evidente.
Casas com Alma Esquecida |
Reparámos em pormenores.
Fotografámos e imaginámos o que
se teria passado entre aquelas paredes quando eram novas e cheiravam a tinta
fresca.
Na casa de dois pisos, o nº 56 construída
em 1873, em plena monarquia e reinado de D. Luís I, nesta casa que ainda hoje mostra
orgulhosamente as iniciais (JRC) do seu ou sua proprietária, imaginámos as tertúlias
à volta de uma simples taça de arroz doce acompanhada de um cálice de vinho do Porto,
e conjecturámos o que levaria alguém abandonar esta casa deixando por lá as
cortinas brancas-alvas nas janelas que outrora serviram de filtro entre os
ocupantes em amena tertúlia e os olhares curiosos de quem pela rua passava. Que
histórias guardarão aquelas paredes hoje sombrias e decrépitas, de alma
esquecida, do século passado?
Não muito longe do nº56 ergue-se
à sua sorte uma pequena casa cor-de-rosa, sem número de porta, mas pomposamente
mostrando que também outrora tinha cortinas brancas-alvas. Aos transeuntes resta-lhes
a curiosidade de ver as cortinas esvoaçarem por entre o entaipamento de tijolo e
o exterior, imaginando o que aquela casinha cor-de-rosa hoje com a alma
esquecida, contaria quando nela habitavam gentes com alma e vigor, num então
desconhecido por quem hoje por ela passa.
Casas com alma esquecidas
deveriam ser preocupação de quem hoje tanto se empenha em lançar betão em
qualquer metro quadrado que exale a lucro fácil e rápido.
Casas com Alma Esquecida |
Muito poderá ser feito se sociólogos
e historiadores também queiram contribuir para a recolha de informação destas
casas com alma esquecida espalhadas pela cidade de Lisboa, e em conjunto com os
arquitectos da autarquia (que são em grande número) demonstrem interesse para
as reconstruirem, reabilitarem e devolverem à sociedade de forma a poderem ser de
novo orgulhosamente úteis e habitáveis.
No Sótão da Gina fica a
inquietação e o sabor amargo de tanto para dizer, tanto para fazer e de repente
até é resolvido por qualquer chinês que compra uma destas casas com alma
esquecida e a devolve à sociedade, falando um idioma que ainda não dominamos
mas que a par e passo nos vai dominando o nosso quotidiano.
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